O ‘calado’ e o ‘falado’
Quando buscamos a etimologia das palavras, vamos costurando entendimentos e bordando hipóteses.
Possivelmente a palavra CALAR vem do Latim callare, que significa baixar a voz. Em Português significa não falar ou parar de falar.
E a palavra FALAR vem do latim fabulare, conversar, contar fábulas. Falar significa emitir sons, palavras e não é necessário que haja um ouvinte.
Já a palavra CONVERSAR significa estabelecer uma comunicação, e aí não é necessário que seja com palavras e normalmente ocorre entre duas pessoas ou mais.
Sabemos como é comum alguém falar algo que ninguém escuta. Ou como alguém CALADO pode estar falando muita coisa em seu silêncio.
E isso nos leva a pensar que podemos até ignorar quem fala, desqualificar seus argumentos, suas ideias. Mas é impossível não perceber o CALADO.
O que é colocado no “silencioso” muitas vezes causa muito incômodo e mal estar.
“O que foi calado na primeira geração, a segunda carrega no corpo.”
Françoise Dolto
O que é mantido CALADO num sistema por mais gerações – o SEGREDO – em geral sai da “cripta” na 3a. geração e então será “falado” ou até “gritado” através de um sintoma ou de um membro sintomático, também chamado de denunciador ou fantasma do sistema.
Dando continuidade a essa ideia de verificar a etimologia, a palavra SEGREDO vem do latim secretus, que significa à parte, isolado, oculto. Daí também deriva a palavra secretário, pessoa a quem se confiam segredos.
Se é um segredo, queremos mantê-lo OCULTO, que vem do latim occultu, que é tudo aquilo que está encoberto, que é misterioso, escondido e que foi tirado de vista.
Outras palavras relacionadas ao tema:
ESCONDER – do Latim abscondere, tirar de vista, formada por abs, fora, mais condere, colocar dentro de algo, guardar.
ENIGMA – quem não entende uma mensagem codificada se vê às voltas com um enigma, palavra que deriva do Latim aenigma, do Grego aínigma, falar com sentidos ocultos, de ainos, dito, conto, discurso.
MENSAGEM – do Latim missaticum, que veio de missus, particípio passado de mittere, enviar, mandar.
INFORMAÇÃO – do Latim, de informare, “modelar, dar forma”, de in mais formare, “formar”. Daí surgiu a conotação de “formar uma idéia de algo”, que passou depois a “descrever” e mais tarde se generalizou em “contar algo a alguém sobre alguma coisa”.
ESCUTAR – vem do Latim auscultare,, ouvir com atenção, derivado de aus, ouvido.
TRANSMISSÃO – do Latim, trans, para além de, através de, mais mittere, enviar, mandar.
Em um trabalho de transgeracionalidade, sob o olhar da PSICOGENEALOGIA SISTÊMICA APLICADA, ao usar o instrumento do genossociograma ou usar algum outro tipo de trabalho simbólico (átomo social, genograma metafórico, genograma fotográfico, sonhos) não serão simplesmente “escutadas” as histórias narradas por quem está se submetendo ao trabalho, porque sabemos que essas histórias são meias mentiras e meias verdades.
Mas, principalmente, atentamos aos ENIGMAS que aparecem sob a forma de coincidências de datas (síndromes de aniversário), aos atos falhos, os lapsus, as associações de ideias, às emoções que surgem, a expressão corporal, etc.
O uso desses instrumentos, a escuta e o estado de PRESENÇA (do terapeuta e cliente), permitem o acesso à memória familiar e facilita a decodificação das mensagens cifradas em sintomas, repetições, tragédias, loucuras…
Porém, é preciso ter muito cuidado e respeito ao iniciar esse trabalho!
Nem sempre aquela pessoa que está diante do terapeuta tem PERMISSÃO das figuras míticas de seu sistema familiar para FALAR.
Um sinal de segredos “inconfessáveis”, que portam muita vergonha e dor, é quando o trabalho parece não avançar.
Se as figuras MÍTICAS daquele sistema familiar se CALARAM ou fizeram muitos se CALAREM, através de proibições e exigências, não será de uma hora para outra que será possível ser FALADO tudo o que aconteceu.
O terapeuta deve se lembrar que estará “esbarrando” nas leis familiares, construídas para manter a dignidade do clã. É sabido que a vergonha e o orgulho são bons combustíveis do SEGREDO.
Também existe um tipo de CALADO que se deu por causa de uma grande dor no sistema, quando os antepassados se calaram para não causar sofrimento aos que estavam chegando – as crianças. Nesse caso, o CALADO foi protetivo e transmitido às gerações futuras, embora tenha se tornado uma ruptura na gestalt familiar.
Então podemos dizer que a melhor terapêutica para o CALADO é: falar, verbalizar, expressar, simbolizar!
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.”
(João 1:1-4)
Verificando também a etimologia da palavra VERBO: do latim verbum, palavra. Na língua portuguesa, consolidou-se como sinônimo ou variante de PALAVRA.
E a etimologia de PALAVRA: do latim parabola, do grego parabolé, que significa comparação, SÍMBOLO.
SÍMBOLO do grego sýmbolon, pelo latim symbolum: sinal que reúne, significa, evoca, assim como o VERBO, a PALAVRA e o VOCÁBULO significam o que referem, ao contrário de DIABÓLICO, do grego diábolon, pelo latim diabolus, que significa o que desune, mente, calunia, disfarça.
- MITO SIMBÓLICO – criado para INTEGRAR o que se sabe, daquilo que não se sabe.
- MITO DIABÓLICO – criado para SEPARAR o que se sabe, daqueles que não sabem.
E por fim, para que nós terapeutas não nos esqueçamos jamais, nosso trabalho é baseado no SIGILO, que vem do Latim sigillus, selo (de cera ou outra substância), uma forma de fechar documentos que revelava se eles tinham sido abertos.
Trabalhamos com o CALADO e devemos oferecer um espaço confiável, tranquilo e favorável à FALA. E estaremos usando da nossa escuta e habilidades com a linguagem simbólica.
Ser um bom tradutor e intérprete daquilo que ainda se mantém CALADO é um grande desafio a cada atendimento terapêutico!
Jaqueline Cássia de Oliveira
Psicóloga - CRP 04/7521
Psicoterapeuta Familiar Sistêmica (Brasil)
Psicogenealogista (Itália)